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segunda-feira, 7 de maio de 2012

LÁ VEM O DINHO!

(Google Imagens)

Quando resolveu casar, Amadeu encontrou em Dalva a companheira ideal, mesmas características físicas e emocionais da mãe. Baixa estatura, cabelos curtos, redemoinho no alto da cabeça, dócil e boa cozinheira. Até as famílias eram iguais, numerosas, fanfarronas e cheias de humoristas beberrões. Bem acolhido pela namorada, em pouco tempo participava das churrascadas de finais de semana, regadas a muita cerveja. Enquanto isso,  passava pela análise do tio André, a espera da oportunidade de apelidar os “agregados”.
Tio André, para os curiosos, é irmão da mãe de Dalva, tem cerca de cinquenta anos, branco como cera, cabelos ralos, olhos pretos e agitados que a tudo reparam, mirando alvos por cima de óculos comprados na feira dos importados. Quando chega às rodas familiares, ninguém mais fala, pois sempre tem novidade e é metido a entender de tudo quanto é assunto. Numa discussão, ao pressentir que perderá, apela buscando alguém para comentar outra coisa, interrompendo o oponente. Na família é tido como “o gozador”  e é suportado pelos familiares com benevolência, pelas inúmeras tragédias que enfrentou na vida. O tio sabe disto e esconde a gaiatice atrás da parentada enternecida. A especialidade é colocar apelidos pejorativos nos novos integrantes. Certa vez, superou-se no mau gosto das imitações grotescas. Fez-se de sombra atrás do próprio pai que, idoso, caminhava arrastando os pés devido à idade, sob o olhar de censura de uns e riso de outros.
Nesta época, passava na televisão um famoso seriado que exibia as agruras de uma família de classe média e suas mazelas, incluindo clichês de amor, de ódio, de cheques sem fundos, brigas entre patroa e empregada e por aí vai. Entre os personagens, se destacava Dinho, sinônimo de trampolinagem e sem-vergonhice, que sempre se dava mal nas intenções de passar a perna nos outros. Exemplificava o malandro cara dura tirador de vantagens das situações, principalmente do sogro, motorista de taxi ingênuo e trabalhador.
Amadeu e Dalva marcaram casamento na certeza do amor entre eles e devido à gravidez precoce da noiva. Nasceram gêmeos. Tudo corria entre beijos, cuidados dos meninos e as festas de família que aconteciam aos finais de semana. Mas nem tudo eram flores. Amadeu começava a torcer o nariz pelo apelido que recebera. Quando chegava as reuniões, tio André apontava e gritava, “chegou o Dinho” e imediatamente a parentada passava a relembrar o episódio semanal do seriado. O que incomodava o rapaz era o mau-caratismo do personagem, pois tinham grande semelhança física. A comparação  desencadeava um nó que subia a garganta de Amadeu, as orelhas avermelhavam, o rosto pegava fogo e a raiva dominava, aumentando a cada dia a repulsa de Amadeu às festas.
Os meses passavam e só fazia aumentar a chacota. Amadeu queixou-se a Dalva avisando que detestava as investidas do tio e que assistiu entrevista sobre estas práticas na escola no programa da Ana Maria Braga que classificou isto de bulling. Dalva ocupada com o casal de gêmeos riu do marido e o aconselhou a ser benevolente com o tio gaiato. Mas há cinco anos o rapaz agia assim e a prática continuava. Estava exausto daquilo.
É comum famílias numerosas receberem os membros recém admitidos com rótulos nem sempre tão inocentes, em alguns casos até pejorativos. Isto acontece porque existem forças contrárias aos não consanguíneos que afetam até os parentes de sangue. Muito parecido com bulling, este tipo de discriminação, pode desencorajar idéias e transformar pessoas sadias em fracas e dependentes de opiniões, principalmente os mais jovens, suscetíveis a este tipo de comentários.
O casamento prosseguiu a trancos e barrancos, mas, vazando água por todos os lados, acabou afundando. Cada um para seu lado, hoje Amadeu vive a segunda relação. Segue a vida de forma cautelosa, liberta da opinião de terceiros que tanto o afetaram. Dalva, após a separação, está no terceiro namorado que, ao frequentar a família, percebeu quem é quem e abriu o jogo, “este tio André é um saco Dalva, me apelidou de Ratinho”.

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