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domingo, 27 de novembro de 2011

MANAUS ONTEM E HOJE

(Teatro Amazonas- arquivo pessoal)









O sobrevôo sobre a cidade e a leve inclinação da asa esquerda, alinhando a aterrissagem, evidenciou a diferença da Manaus de agora com há de trinta anos. Em oitenta estive a trabalho na cidade e a zona franca fervilhava de turistas atrás de novidades importadas a preços módicos. Naquele ano, viajei por três ocasiões. Em cada uma, permaneci por períodos de trinta dias banhado pelo calor dos trópicos.
Em finais de semana procurava aprender danças típicas e assim, meio por acaso, conheci o forró nordestino. Fui cativado imediatamente. Lembro do quanto transpirei ao som de Morena Tropicana animado por shows ao vivo na potente e melodiosa voz de Alceu Valença. Muitas noites de forró dancei com Moema, charmosa índia amazonense que me iniciou pacientemente nos primeiros passos da dança. Ainda hoje ao ouvir forró, não resisto e balanço até o sol raiar.
Retornar a Manaus representava mais do que simples passeio. Era o reencontro com a cidade que desabrochou da floresta como a mangueira que cresceu no meio da selva. Para Malu, representava rever a filha jornalista, que fixou residência e trabalha na Rádio Amazonas.
O mormaço se instalou na passarela de desembarque e reportou o mal estar daqueles tempos. Certo dia ao beber tacacá no centro da cidade, sentei na calçada. Ameaçava desabar por queda de pressão. Tacacá é bebida calórica, fervente que, servida à temperatura ambiente de quase quarenta graus, derruba turistas desavisados. Na verdade, Manaus carecia de estrutura para enfrentar o mormaço intenso dia e noite. Agora, a situação é outra. Em todos os lugares há aparelhos de ar condicionado e ventiladores. Até em bancas de revista.
A diversidade de restaurantes e bares chamou a atenção de Malu. Em lugares pitorescos dentro da mata acolhedora, as margens da estrada ou em praças de alimentação ao ar livre que recebem o povo manauara e turistas com exótico encanto. A variedade de opções nos cardápios aguça o apetite com os pratos a base de peixe das cidades ribeirinhas. A culinária manauara é de pescados, deliciosamente preparados. Pratos como lombo de Pirarucu e Tambaqui na brasa, melhores peixes da região, competem com as carnes vermelhas em qualidade. O pirarucu é conhecido como o bacalhau brasileiro e a fama faz jus. Ao provar, remeti a cidade do Porto em Portugal. O vinho importado, pela proximidade com outros países, tem bom preço, mesmo em restaurantes sofisticados.
O trânsito? Uma loucura! Copiando as grandes metrópoles, o número de carros excede a capacidade das avenidas largas e sinalizadas, que em nada lembram a dos anos oitenta, cortada por ruas estreitas e esburacadas.
Em passeio no centro da cidade, no conjunto de ruas que formavam a famosa zona franca, lembrei os aromas que exalavam das lojas de artigos importados. O odor de material plástico, da tinta dos tecidos indianos, dos biombos, dos baús da China e nas famosas fragrâncias dos perfumes franceses. Muito percorri o comércio atrás de novidades para três filhos indóceis aguardando presentes em Brasília. Na infância, tive um amigo que possuía o ferrorama, brinquedo caro, fora de alcance. As mãos coçavam para tocar os vagões e assumir o controle do comboio, mas o amigo zeloso só permitia a observação. Pois foi o presente dado aos filhos, que mais curti. Comprei, mas só liberava se brincassem comigo. Era a oportunidade de resgatar a infância e o comando do brinquedo.
Com a zona franca desativada, as ruas que abrigavam as enormes lojas de artigos importados, foram substituídas por camelôs em barracas amontoadas pelas calçadas, vendendo produtos de procedência duvidosa.
Em compensação, Manaus recebeu inúmeras fábricas favorecidas pela política de impostos. Instaladas em ritmo veloz, colocam no mercado os produtos “Made in Manaus”, custando cerca de vinte por cento menos que no restante do país.
O teatro Amazonas, decorado com a arte européia, esbanja a riqueza do estado, obtida da extração da borracha natural das seringueiras. Os atores das peças que atuavam no teatro eram franceses ou italianos. Para a apresentação, navegavam três meses, apresentavam-se por um mês e retornavam em mais três meses pelo oceano Atlântico. Permaneciam, portanto, cerca de sete meses longe de casa. O cachê, quatro vezes superior ao praticado no país de origem, era justificado pelo medo da contaminação por malária. Na pintura do teto da sala de descanso dos atores, executada em tela, na Itália, outra curiosidade. Ao ser trazida ao Brasil foi escoltada pelo artista que acompanhou a colagem no teatro. Depois do trabalho concluído, ao retornar a cidade natal, morreu de malária. Se soubesse o quanto custaria a tela, penso que não a executaria. Um turista preocupado, perguntou a guia se entre visitantes acontecera algum caso semelhante. Ela ignorou a indagação e passou a outra sala onde narrou: “Até então, as mulheres da realeza usavam nove anáguas engomadas para armar as roupas e valorizar quadris e seios passando a impressão de boas parideiras e amamentadoras. A inteligente esposa de Napoleão III, para substituir a quantidade de panos, projetou uma armação de ferro e mandou confeccionar pela fábrica de espetos francesa Peugeot. O artefato foi aprovado pela nobreza e o fabricante recebeu tantas encomendas que foi salvo da falência. Aproveitou o bom momento e investiu em fabricação de guarda-chuvas, bicicletas e automóveis. Além de causar bom efeito visual nas mulheres, o produto facilitou a higiene das partes íntimas, melhorando a saúde das usuárias.”
Turismo obrigatório aconteceu na novíssima ponte sobre o Rio Negro, que une a pequena Iranduba à Manaus. Inaugurada a cerca de um mês, durante as festividades de aniversário da capital, tem cerca de três quilômetros e meio de extensão. Orgulho dos manauaras serviu para encurtar caminho entre as cidades. Após a ponte, a rodovia é cercada por mata nativa que exala o odor da vegetação exuberante. A umidade dificulta a respiração dos brasilienses acostumados com a seca do cerrado. Árvores altas com copas fechadas e no pé com vegetação espessa, dificultam o acesso. Ao entrar dez metros mata adentro, mergulhará na escuridão dificultando o retorno.
Por estrada de terra esburacada chega-se a beira do rio Negro, onde o cais flutuante evidenciou que o rio nas cheias, deve ser respeitado. Iranduba é a cidade com maior quantidade de hotéis de selva, pena que com diárias inacessíveis ao turista médio brasileiro, sendo fortemente visitados por turistas estrangeiros.
Na chegada ao cais de Iranduba encontramos o prefeito de Manaquiri que, antes de embarcar ao destino, falou sobre a construção de mais uma nova ponte na região. A ligação a Fonte Boa, visa integrar a região sul do estado. A conversa só acabou com a noite que esparramou um manto negro sobre o rio, libertando os mosquitos que adoram sangue de turista. O prefeito se despediu, embarcou na voadeira e afastou-se da margem velozmente para vencer os cento e quarenta quilômetros até Manaquiri.
Pitoresco foi a revisita a Ponta Negra, cujas transformações foram profundas. O trajeto por lamaçal, de difícil acesso, foi substituído por larga avenida de duas pistas. O tambaqui, curtido num piquenique ao pé da mata, preparado em folha de bananeira e cozido em braseiro de chão, desta vez comi temperado com sal grosso, em restaurante refrigerado. As árvores nativas a beira do Rio Negro, sob as quais caminhei colhendo murici, foram substituídas por prédios de luxo. Hoje a orla do rio é comparável a beira mar das principais cidades brasileiras. Edifícios habitados por parcela da classe média alta, dividindo águas com frequentadores menos abastados.
Manaus é das cidades que mais crescem no Brasil e é considerada como a capital brasileira que mais evoluiu em qualidade de vida nos últimos dez anos. Não é a toa que é das doze capitais que sediará jogos da Copa do mundo 2014.
A chegada ao aeroporto foi em cima da hora. Malu e eu despachamos a bagagem, subimos ao avião e, exauridos, sentamos. À medida que o avião subia, a mata transformava em imenso tapete espesso e verde. Fechei os olhos e adormeci. Vez por outra acordava, abria os olhos e percebia as clareiras das áreas desmatadas pelas mãos do maior depredador do planeta. Voltava a dormir embalado pelo ronco das turbinas e pelos soluços contidos de Malu com saudades da filha.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

ADEUS, HOTEL ALVORADA

(Foto arquivo pessoal)




















(Foto Agência Brasil)




















Cheguei a Brasília em três de janeiro de 1974. Por obra do destino, fui contratado ainda em Porto Alegre, sem pistolão, fique claro. A contratação incluía residência oficial, carro com combustível e refeições, mas o imóvel estava em reforma e hospedei-me no hotel por quarenta e cinco dias. Na memória, a imagem do oitavo andar de onde, aos finais de semana, admirava a Esplanada dos Ministérios, o Congresso Nacional e o pouco movimento da Rodoviária.
Atualmente, ao passar pelo viaduto da W3 norte, sentido W3 sul, mostrava o prédio aos filhos, netas e amigos:
- Este é o hotel Alvorada, minha primeira residência no Distrito Federal.
A única bagagem era a mala com roupas, diploma e documentos pessoais. Hospedar na suíte do Alvorada marcou o início da carreira, a primeira residência solo e a conquista da independência econômica. Chamava atenção a fartura do desjejum, verdadeiro café colonial com frutas de todos os tipos, variedades de pães e especiarias. Sinto até hoje o delicioso cheiro de café que exalava naquele ambiente, iluminado pela luz amarela do sol plantado no céu límpido de Brasília, como nunca vira igual. Depois, pleno de energia, seguia a pé aos estúdios da Rádio Nacional, no Edifício Antônio Venâncio da Silva, Setor Comercial Sul.
A ganância acabou com o referencial de meu endereço número um.
Dois meses antes, comentara a um amigo sobre o edifício, e falamos sobre a vantagem de Brasília ser tombada pelo Patrimônio Histórico, preservando a memória. Doce ilusão!
Fato interessante ocorreu na primeira semana de hospedagem. Esquecera o pijama em Porto Alegre e obriguei-me a comprar outro. Receoso que desaparecesse, escondi. Na noite seguinte, após uma deliciosa ducha, procurei e nada. Guardei-o tão bem que sumiu. Liguei para a portaria, e solicitei que a camareira procurasse. Dois dias após, encontrei na suíte um pacote e um bilhete de desculpas. Ganhara pijama novo para substituir o perdido. Ao final da temporada, no fechamento das diárias, encontrei o desaparecido dobrado no fundo da mala. Procurei o gerente e, envergonhado, expliquei o ocorrido. Queria ressarcir o débito, mas insistiu que aceitasse como cortesia da casa.
Agora, só recordação. Bastou um estrondo e dez segundos depois, o prédio virou cinzas. Desabou indefeso. Os hotéis Alvorada e Das Nações existem agora apenas na imaginação.
Três dias depois reuni forças para visitar o local. Fiz algumas fotos do enorme entulho mal cheiroso e triste e disfarcei a emoção que me dominava profundamente.
- Há poucos dias havia um prédio aqui e agora, nada – falei brincando a um motorista de táxi.
- É verdade – falou, baixando a cabeça.
Em Portugal no ano de 1755, um terremoto de magnitude nove seguido de tsunami, destruiu Lisboa. Os portugueses, por valor à história, reconstruíram os monumentos destruídos, com fidelidade.
Os construtores brasileiros declararam que farão prédios modernos no lugar dos hotéis obsoletos. Programarão derrubar outros? Obedecerão ao gabarito? Qual o futuro dos monumentos de Brasília? Teremos cedido à ganância dos construtores que apagam o passado e fazem o novo numa infinita construção e reconstrução? Onde está a fonte luminosa dos anos setenta?
Se Brasília, capital moderna, cede a estas pressões, o que será das demais cidades? Os Maias, os Astecas e os Incas foram dizimados, mas, sem implosão, permaneceram preservadas as ruínas como relíquias às novas gerações.Dos Hotéis Alvorada e Nações, nem ruínas, apenas cinzas a serem removidas ao lixão da estrutural. Foram cremados no Dia dos Mortos.