LEIA TAMBÉM:"ARQUIVO" e "PÁGINAS"

Dificuldades para comentar? Envie para o email : marcotlin@gmail.com
****************************************************

domingo, 12 de junho de 2011

AS IRMÃS

(foto:Google)


Rute chegou ao consultório com terninho azul, sapatos pretos e blusa branca com punhos rendados. Telefonara no dia anterior e pedira urgência para ser atendida. Iniciamos no dia seguinte. Foi pontual. Entrou na sala, sentou na poltrona indicada, cruzou as pernas e falou sem constrangimentos.
– Quero aprender a lidar com o que aconteceu entre Carol e eu. Somos irmãs e nosso relacionamento está frio, distante. Agi mal e usei palavras fortes durante uma discussão. Deveria ser maleável e evitar agredi-la. Afinal é sensível e frágil.
Ficou calada a medir palavras. Orientei para iniciar por onde fosse mais fácil falar. Acrescentei que ficasse a vontade. Após suspiro profundo, recomeçou com voz pausada.
– Morávamos todos no Rio, meus pais, Carol e eu. Quando papai aposentou, mudou com mamãe para Curitiba, cidade de nossos avós. Ao ir embora, mamãe disse que cuidássemos uma da outra. Entendi o recado para eu cuidar de Carol. Isto nos uniu bastante. Tínhamos nosso trabalho e uma à outra. Quando conheci Jorge, namoramos e casamos em poucos meses e continuamos a morar com Carol, para que não ficasse só. Com um ano de casados, ele aprovou em concurso do Banco Central e mudamos para Brasília. Foi difícil sair do Rio, pois implicou em deixar minha irmã. Solitária, Carol que já conhecia Carlos, tratou de, como eu, casar rapidamente. Como o marido tinha bom salário, deixou de trabalhar e passou a vida de dona de casa carioca. Praia pela manhã e academia a tarde, garantia de bronzeado invejável e boa forma física. Meu tempo é escasso para estes luxos. Acumulo pneuzinho na cintura e pele branca que inibe vestir maiô.
Falava devagar, contrita. As mãos brancas apertadas fortemente. No comentário transpareceu inveja da irmã.
– Mamãe queixa-se que no parto de Carol obrigou-se a tirar o útero. O que mais senti foi que, após o nascimento, as atenções de papai transferiram-se. Carol era a caçula mimada e usava a todos. Passei a ser cúmplice desta superproteção. Quando mamãe ralhava, a defendia. Até assumia travessuras.
Percebi a servidão de Rute com a irmã. Interrompeu o relato e vagou o olhar pelo teto. Fixou o lustre a procura de palavras para continuar.
As sessões semanais aconteciam neste ritmo. Falava muito das relações com a irmã. A amizade desde pequenas. A supercompreensão que dedicava. Estávamos na quinta sessão.
– Carlos e Jorge se tornaram bons amigos. Carol por sua vez, ficara adulta, parou de demonstrar gosto por minhas coisas. Reconheci que a convivência dela com Carlos fez bem. Os encontros se intensificavam, mesmo morando no Rio e nós em Brasília. Marcávamos férias e viagens juntos. Viajávamos de comum acordo sem os filhos, deixando-os em Curitiba com nossos pais. Carol e Jorge tem afinidades desde o tempo que moramos juntos no Rio. Jorge brinca que Carol é a única a usar a piscina da casa. Quando programam vir a Brasília, Jorge fala que a “preta da família vem nos visitar”. Nestas ocasiões sai cedo do trabalho e faz companhia a minha irmã na piscina. Mandou até colocar aquecimento solar. Em 2009, viajamos a Portugal. Só os quatro. Divertimos a valer. Carol aprontou tanto que destroncou o pé em Coimbra. Jorge, mais forte que Carlos, carregou-a no colo nos passeios.
Mais algumas sessões e retornou ao assunto principal do porquê decidira iniciar o tratamento. Reafirmou querer achar o caminho do reatamento entre os casais. Ao todo havíamos feito onze sessões.
– O objetivo é reatar e vivermos em harmonia. Carlos e Jorge são muito amigos. Agora reconheço que deveria me controlar. Tudo aconteceu rápido e quando percebi, havia falado. Eles haviam tirado dias de descanso e vieram a Brasília. Carol e eu conversávamos na sala. Disse que Jorge viajaria a São Paulo para auditoria bancária. Pensei que não escutara, pois estava de maiô de banho e, sem comentar, foi a piscina. Jorge aproveitava o sol e calor de final de tarde e saltava do trampolim. Ele só nadava nas ocasiões que Carol nos visitava. Dizia ter preguiça de nadar só. Nunca gostei de piscina.
Olhou-me esperando um comentário. Com a mão, fiz sinal para prosseguir.
– Quando Jorge e Carol saíram da piscina, ele passou por mim, dizendo que iria arrumar as malas e ela foi a cozinha conversar comigo. Demonstrava estar contrariada, secando o cabelo com a toalha e afirmou que Jorge mentia ao dar como desculpa o trabalho em São Paulo. Cobrou-me atitude com relação a isto. Exigiu que o proibisse de ir. Tentei explicar que Jorge viajaria tranquilo exatamente por estarem comigo. Não adiantou, estava enfezada. Alegava que viajar era uma desconsideração com eles. Deveria fazer companhia a Carlos. Gritou que há dois anos observava algo estranho. Insinuava ter outra mulher. Percebi que Carol me usava para impedir Jorge de viajar e falei o que foi o pivô de tudo: “Carol, penso que você está apaixonada pelo Jorge.”
Rute suspirou fundo.
– Carol explodiu. Gritava que amava o marido. Que era tudo que esperava de um companheiro. Ouvindo a discussão, Carlos entrou na sala e procurou acalmar os ânimos. Ela gritou que calasse a boca e voltasse ao quarto. A briga é entre nós e que com irmãs ninguém se mete.
Deixou cair os ombros dos lados do sofá, cansada e inerte e pela primeira vez, falou olhando em meus olhos.
– Pois bem, depois deste dia, Carol e Carlos sumiram lá de casa. Agora só falamos por telefone e quando ligo. Voltamos aos tempos de adolescência em que depois das brigas era sempre eu a reconciliar. Desta vez tenho dificuldade de falar sobre o assunto com ela.
A relação das irmãs permanece fria, distante. Talvez nem queiram reaproximar. Ambas estão magoadas e feridas. Este afastamento entre elas poderá ser até estratégico para que sejam consumadas as intenções eróticas de Carol e Jorge. Se continuassem unidas, as intenções de ambos cairiam por terra, fadadas a um eterno e inconseqüente jogo erótico. Separadas as irmãs, Jorge e Carol poderiam dar vazão a suas verdadeiras intenções e iniciarem uma relação de amantes com viagens cada vez mais freqüentes. Talvez agora para o Rio e não mais para São Paulo.
Outras questões no entanto devem ser desenvolvidas. Rute tem desconfiança da relação entre a irmã e o marido. Podem ser simples e exagerados cuidados e nada há entre eles que justifique a afirmativa de que Carol esteja apaixonada por Jorge. A hipótese de Carol tentar usar Rute para aplacar o ciúmes por suposta traição de Jorge em São Paulo, também é algo possível de acontecer. Mas será que ela estava tentando provocar ciúmes em Rute? E se Jorge a sós com ela, confessou-lhe que realmente havia uma mulher e que iria encontrá-la em São Paulo? Nesse caso, estaria usando Carol para alertar a própria mulher quanto a suas verdadeiras intenções e assim levar a relação a um desenlace.
Na verdade, ambas permanecem magoadas e feridas e não sabem o que fazer para reatar os laços.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é importante