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sexta-feira, 24 de junho de 2011

BEBEU, CAIU, NÃO LEVANTOU


Foto após acidente de trânsito onde um motorista bêbado atingiu um caminhão, matando a esposa e a filha (cortesia do Dr. Heitor Carvalho ao site do hepcentro)










O consumo de bebida alcoólica possibilita a falsa coragem de enfrentar situações difíceis e aliviar tensões diárias. Por outro lado, representa flagelo social digno de debate público. A influência nos acidentes de trânsito, dos quais faz parte em 60% dos casos é o maior exemplo disto. Mesmo assim este efeito catastrófico é banalizado. A lei do bafômetro, mal entrou em operação e foi esvaziada, “ninguém é obrigado a gerar prova contra si mesmo”. Pronto, o bafômetro virou peça de museu. Não há motorista que aceite fazer o teste. E lei que obrigue a assoprar no aparelho, o congresso nem pensa em elaborar.
Segundo definição do Dr. Stéfano Gonçalves Jorge, no site http://www.hepcentro.com.br/alcoolismo.htm “Considera-se abuso do álcool quando uma pessoa utiliza, mesmo que não constantemente, álcool em quantidade suficiente para causar problemas de saúde ou de outra espécie, como brigas e acidentes automobilísticos. Mesmo sem ser dependente do álcool, uma pessoa que utiliza o álcool sem moderação pode ter complicações tão ou mais sérias que os alcoólatras.”
Quem perdeu parente próximo em acidente provocado pelo uso indiscriminado de bebida alcoólica sabe o que isto significa. Todos os dias, com grande incidência nos feriados prolongados morrem mais pessoas em acidentes de trânsito, do que em atentados terroristas no Oriente Médio. É espantoso.
No entanto se torna importante separar dois tipos de motoristas que dirigem embriagados. Os que têm o álcool como vício, os alcoólatras, daqueles bebedores eventuais. Os últimos, quando causam acidentes, deveriam receber punições pesadas, inclusive as consequências previstas no Código Civil. Diferentemente, os alcoólatras devem ter tratamento de doentes. Tal como os usuários de drogas, são problemas de saúde pública e precisam ser internados em clínicas de reabilitação. Os médicos especializados devem participar disto e prescrever o período necessário para livrá-los do vício e reinseri-los na sociedade. Por sua vez, a carteira de motorista só será devolvida, após demonstração efetiva de reabilitação. No caso de reincidência, nova internação deve ser prevista e a habilitação retida desta vez por mais tempo. Um motorista alcoolizado, seja deputado, senador ou pedreiro, é sempre um risco social. O carro é uma arma mortal.
Mas como diferenciar os dois motoristas? Segundo o site do doutor Stéfano, “Para definir uma pessoa como alcoólatra é mais significativo analisar o impacto do álcool na sua vida e se já tentou parar e não conseguiu.” Então, imagino ser mais fácil do que se pensa. Neste caso, os parentes têm participação direta e sabem quando o familiar causa risco de vida a si ou a outros. Afastá-lo da direção de veículos quando sob efeito do álcool, é obrigação. Na verdade, todo cidadão deve participar informando aos serviços de trânsito sobre a desconfiança de alguém dirigir embriagado. Ao internar o motorista doente para tratamento, estará salvando a vida dele e do próximo.
O trabalho deve ser conjunto entre a família, o Estado e até os fabricantes de bebidas alcoólicas. Estes devem ser chamados a participar efetivamente nos tratamentos dos doentes, financiando clínicas de recuperação. A venda livre do álcool, droga lícita, dá muita vantagem financeira. Quanto ao Poder Público, que legisle pensando na segurança e participação de todos.
O povo que faça sua parte. Há longo caminho a percorrer. Comece já.

domingo, 19 de junho de 2011

REAL OU IMAGINÁRIO?

(foto Google imagens)

Histórias das mil e uma noites sempre fascinaram a humanidade. Quando as leio, tiro lições e procuro trazer o entendimento à vida real. Particularmente tenho predileções e separei a que julgo mais interessante pela atualidade. Após a narrativa, farei considerações a respeito. Há muitas versões e interpretações, mas a essência é fiel.
Conta a lenda que Sirin e Hüsrev eram filhos de nobres. Sirin uma formosa princesa e Hüsrev um garboso e valente príncipe. Os pais, movidos pela cobiça de somar fortunas fabulosas queriam o casamento. Ao mesmo tempo, montaram estratégia a fim de garantir o amor sincero entre os jovens. O pai do rapaz confeccionou um quadro do filho e ofertou a família da moça que o colocou nos jardins do palácio. A cada passeio de Sirin, era possível visualizar a imagem do rapaz, belo e elegante. Por sua vez, para impressionar o filho do amigo, o pai da jovem, traçou um plano diferente. Contratou um experimentado narrador para observar Sirin. Após gravar as características, deveria descrevê-la de forma a inspirar desejo ao rapaz. Isto feito, em pouco tempo estavam perdidamente apaixonados. A moça pela pintura e o jovem pela narrativa.
Ao completarem a maioridade, só pensavam em conhecer seus amores, que viviam em reinos diferentes. No dia combinado entre os pais nobres formaram-se as comitivas e partiram a procura do amor. Após um dia de viagem, ao final da tarde, chegaram quase juntos a um córrego para passar a noite. A princesa aproveitou para banhar-se. O príncipe, com sede e empoeirado, aproveitou a parada para tomar água no rio. Enquanto saciava a sede, avistou a linda princesa. Ficou impressionado. “Seria a princesa de meus sonhos?” pensou. Da mesma forma, diante do príncipe, a moça teve a sensação de estar diante da pintura que avistara nos jardins. Mas considerou: “Não pode ser, está sem o manto vermelho!”. Despistou os devaneios, colocou a roupa e recolheu-se a barraca para descansar.
No dia seguinte as comitivas seguem viagem com os príncipes sonhadores.
A história é conduzida e bem narrada oscilando entre a fantasia e a realidade. Apesar de cruzarem os mesmos caminhos, não se reconheceram.
Bem atual, a narrativa faz refletir sobre a internet e os chats de relacionamento. Após longas horas de conversa, onde sobram descrições fantasiosas e troca de fotografias manipuladas, os internautas marcam encontros e se mostram frustrados ao avistarem os companheiros de teclado. Frente a frente deixam de representar modelos da imaginação e se transformam em pessoas reais. E o que é mais importante?
O mesmo ocorre ao expectador. Ao assistir o filme, quem melhor impressiona, o personagem ou o próprio ator? A dúvida o deixa confuso. Balança entre o real e a fantasia. Experimenta a sensação de perda frente a realidade.
Cada um tem a resposta a esta questão.
O mundo virtual pode ser armadilha. A realidade, também.

domingo, 12 de junho de 2011

AS IRMÃS

(foto:Google)


Rute chegou ao consultório com terninho azul, sapatos pretos e blusa branca com punhos rendados. Telefonara no dia anterior e pedira urgência para ser atendida. Iniciamos no dia seguinte. Foi pontual. Entrou na sala, sentou na poltrona indicada, cruzou as pernas e falou sem constrangimentos.
– Quero aprender a lidar com o que aconteceu entre Carol e eu. Somos irmãs e nosso relacionamento está frio, distante. Agi mal e usei palavras fortes durante uma discussão. Deveria ser maleável e evitar agredi-la. Afinal é sensível e frágil.
Ficou calada a medir palavras. Orientei para iniciar por onde fosse mais fácil falar. Acrescentei que ficasse a vontade. Após suspiro profundo, recomeçou com voz pausada.
– Morávamos todos no Rio, meus pais, Carol e eu. Quando papai aposentou, mudou com mamãe para Curitiba, cidade de nossos avós. Ao ir embora, mamãe disse que cuidássemos uma da outra. Entendi o recado para eu cuidar de Carol. Isto nos uniu bastante. Tínhamos nosso trabalho e uma à outra. Quando conheci Jorge, namoramos e casamos em poucos meses e continuamos a morar com Carol, para que não ficasse só. Com um ano de casados, ele aprovou em concurso do Banco Central e mudamos para Brasília. Foi difícil sair do Rio, pois implicou em deixar minha irmã. Solitária, Carol que já conhecia Carlos, tratou de, como eu, casar rapidamente. Como o marido tinha bom salário, deixou de trabalhar e passou a vida de dona de casa carioca. Praia pela manhã e academia a tarde, garantia de bronzeado invejável e boa forma física. Meu tempo é escasso para estes luxos. Acumulo pneuzinho na cintura e pele branca que inibe vestir maiô.
Falava devagar, contrita. As mãos brancas apertadas fortemente. No comentário transpareceu inveja da irmã.
– Mamãe queixa-se que no parto de Carol obrigou-se a tirar o útero. O que mais senti foi que, após o nascimento, as atenções de papai transferiram-se. Carol era a caçula mimada e usava a todos. Passei a ser cúmplice desta superproteção. Quando mamãe ralhava, a defendia. Até assumia travessuras.
Percebi a servidão de Rute com a irmã. Interrompeu o relato e vagou o olhar pelo teto. Fixou o lustre a procura de palavras para continuar.
As sessões semanais aconteciam neste ritmo. Falava muito das relações com a irmã. A amizade desde pequenas. A supercompreensão que dedicava. Estávamos na quinta sessão.
– Carlos e Jorge se tornaram bons amigos. Carol por sua vez, ficara adulta, parou de demonstrar gosto por minhas coisas. Reconheci que a convivência dela com Carlos fez bem. Os encontros se intensificavam, mesmo morando no Rio e nós em Brasília. Marcávamos férias e viagens juntos. Viajávamos de comum acordo sem os filhos, deixando-os em Curitiba com nossos pais. Carol e Jorge tem afinidades desde o tempo que moramos juntos no Rio. Jorge brinca que Carol é a única a usar a piscina da casa. Quando programam vir a Brasília, Jorge fala que a “preta da família vem nos visitar”. Nestas ocasiões sai cedo do trabalho e faz companhia a minha irmã na piscina. Mandou até colocar aquecimento solar. Em 2009, viajamos a Portugal. Só os quatro. Divertimos a valer. Carol aprontou tanto que destroncou o pé em Coimbra. Jorge, mais forte que Carlos, carregou-a no colo nos passeios.
Mais algumas sessões e retornou ao assunto principal do porquê decidira iniciar o tratamento. Reafirmou querer achar o caminho do reatamento entre os casais. Ao todo havíamos feito onze sessões.
– O objetivo é reatar e vivermos em harmonia. Carlos e Jorge são muito amigos. Agora reconheço que deveria me controlar. Tudo aconteceu rápido e quando percebi, havia falado. Eles haviam tirado dias de descanso e vieram a Brasília. Carol e eu conversávamos na sala. Disse que Jorge viajaria a São Paulo para auditoria bancária. Pensei que não escutara, pois estava de maiô de banho e, sem comentar, foi a piscina. Jorge aproveitava o sol e calor de final de tarde e saltava do trampolim. Ele só nadava nas ocasiões que Carol nos visitava. Dizia ter preguiça de nadar só. Nunca gostei de piscina.
Olhou-me esperando um comentário. Com a mão, fiz sinal para prosseguir.
– Quando Jorge e Carol saíram da piscina, ele passou por mim, dizendo que iria arrumar as malas e ela foi a cozinha conversar comigo. Demonstrava estar contrariada, secando o cabelo com a toalha e afirmou que Jorge mentia ao dar como desculpa o trabalho em São Paulo. Cobrou-me atitude com relação a isto. Exigiu que o proibisse de ir. Tentei explicar que Jorge viajaria tranquilo exatamente por estarem comigo. Não adiantou, estava enfezada. Alegava que viajar era uma desconsideração com eles. Deveria fazer companhia a Carlos. Gritou que há dois anos observava algo estranho. Insinuava ter outra mulher. Percebi que Carol me usava para impedir Jorge de viajar e falei o que foi o pivô de tudo: “Carol, penso que você está apaixonada pelo Jorge.”
Rute suspirou fundo.
– Carol explodiu. Gritava que amava o marido. Que era tudo que esperava de um companheiro. Ouvindo a discussão, Carlos entrou na sala e procurou acalmar os ânimos. Ela gritou que calasse a boca e voltasse ao quarto. A briga é entre nós e que com irmãs ninguém se mete.
Deixou cair os ombros dos lados do sofá, cansada e inerte e pela primeira vez, falou olhando em meus olhos.
– Pois bem, depois deste dia, Carol e Carlos sumiram lá de casa. Agora só falamos por telefone e quando ligo. Voltamos aos tempos de adolescência em que depois das brigas era sempre eu a reconciliar. Desta vez tenho dificuldade de falar sobre o assunto com ela.
A relação das irmãs permanece fria, distante. Talvez nem queiram reaproximar. Ambas estão magoadas e feridas. Este afastamento entre elas poderá ser até estratégico para que sejam consumadas as intenções eróticas de Carol e Jorge. Se continuassem unidas, as intenções de ambos cairiam por terra, fadadas a um eterno e inconseqüente jogo erótico. Separadas as irmãs, Jorge e Carol poderiam dar vazão a suas verdadeiras intenções e iniciarem uma relação de amantes com viagens cada vez mais freqüentes. Talvez agora para o Rio e não mais para São Paulo.
Outras questões no entanto devem ser desenvolvidas. Rute tem desconfiança da relação entre a irmã e o marido. Podem ser simples e exagerados cuidados e nada há entre eles que justifique a afirmativa de que Carol esteja apaixonada por Jorge. A hipótese de Carol tentar usar Rute para aplacar o ciúmes por suposta traição de Jorge em São Paulo, também é algo possível de acontecer. Mas será que ela estava tentando provocar ciúmes em Rute? E se Jorge a sós com ela, confessou-lhe que realmente havia uma mulher e que iria encontrá-la em São Paulo? Nesse caso, estaria usando Carol para alertar a própria mulher quanto a suas verdadeiras intenções e assim levar a relação a um desenlace.
Na verdade, ambas permanecem magoadas e feridas e não sabem o que fazer para reatar os laços.

sábado, 4 de junho de 2011

TERRA À VISTA!



(foto Google)



Há pais que vivem a controlar e prover os filhos. Negligenciam as regras básicas do livre arbítrio e da felicidade pela aquisição do espaço no mundo. Acham-se no direito de fornecer tudo o que os rebentos necessitam. Tem como regra definir o bom e o mau e indicar caminhos “corretos”. Geralmente começam na infância, com a imposição de brinquedos e a expectativa das reações pré-definidas. Se o menino trocar o presente recebido com o do amigo, é obrigado a destrocar. Para merecer os presentes recebidos, deverão seguir os conselhos cegamente. Usam até de chantagem emocional. Quando adultos, indicam a profissão e a fórmula da felicidade. Dos pais, claro. Afinal, acreditam que filhos têm obrigação de fazê-los felizes.
Assim aconteceu com Rodrigo. Filho de médico, desde garoto queria ser músico, para desgosto do pai que exercia medicina como carreira. Excelente trompetista, o rapaz ainda tentou alçar vôo montando uma banda. Quando soube, o pai ocupou as horas de folga inventando afazeres, inviabilizando os ensaios. Consequentemente o conjunto musical naufragou. Sem condições de resistir a pressão paterna, o rapaz cursou de Medicina. Colou grau aos solavancos. Quando recebeu o diploma, deu ao pai. Colocou o trompete embaixo do braço e mudou para o Rio de Janeiro. A mãe, apesar de amar o filho, dava razão ao marido. Acreditava que passaria fome e retornaria ao convívio da família.
Na Cidade Maravilhosa, a vida de Rodrigo realmente era de dificuldade ímpar. Porém buscava vencer com obstinação e alegria. Saía às ruas diariamente na dura realidade de ensaiar e tocar seu instrumento. Junto a excelentes instrumentistas, formou uma banda requisitada no meio artístico. Apesar de dinheiro escasso esbanjava prazer no que fazia.
Ganhar o pão como músico é difícil. Em contrapartida, seguir a profissão definida pelos pais nem sempre garante sucesso ou realização.
Certo dia, após a morte do marido, a mãe já idosa foi ao Rio de janeiro. Foram dez anos sem ver o filho. Uma ausência aliviada pelas cartas escondidas do pai severo que nem admitia falar de trompete. Negava a reconciliação e o classificava como ovelha negra. Agora, a mãe viúva se aproximava do filho, da nora e dos netos.
Hospedou-se na pequena moradia, num bairro modesto da capital carioca. No galpão destinado aos ensaios, ficava horas ouvindo a banda. Encontrou o rapaz com o mesmo temperamento amável e alegre do passado.
O irmão mais velho seguira a profissão do pai e herdara a doença. Ficara com os clientes, tinha uma vida confortável e tomava remédios para dores imaginárias.
Rodrigo defendia sua concepção de vida e lutou pelo que acreditava. Seguia seu projeto de vida. A tradição familiar de traçar planos para os filhos começara com o avô paterno. Um agricultor que trabalhava na lavoura para manter os filhos na universidade. Orgulhosamente, formara um médico, dois advogados e um padre.
Dirigir os filhos indiscriminadamente vida a fora é desacreditar na capacidade de crescimento. É transformá-los em bonecos teleguiados. Os filhos devem ser livres nas escolhas e seguir as intuições. O que seria de nós se Pedro Álvares Cabral desistisse de atravessar o oceano?